segunda-feira, outubro 26, 2009

O Ladrão de Raios

Para usar um dos inícios de frase favoritos do nosso presidente, "nunca antes na história deste país" se viu tamanha enxurrada de lançamentos literários no gênero normalmente chamado "infanto-juvenil", mas que, como se sabe, também agrada aos adultos que gostam de soltar a fantasia quando tiram tempo para ler um livro por prazer. Bem, às vezes agrada. Depende de muitas coisas. De qualquer forma, é fato que nunca se publicou tanto livro de fantasia no Brasil como de alguns anos para cá. Dos melhores aos piores, livros envolvendo magia, grandes aventuras, criaturas fantásticas e, quase sempre, heróis adolescentes, entopem prateleiras e mais prateleiras em quase todas as livrarias onde entro. Como seria de se esperar, essa abundância de oferta tropeça numa certa mesmice: muitas histórias são excessivamente parecidas entre si. Sendo assim, encontrar O Ladrão de Raios, do norte-americano Rick Riordan, é uma bem-vinda brisa de novidade, pois nos oferece algo inesperado e interessante.

Confesso que, ao pegá-lo para olhar pela primeira vez, minha testa se franziu automaticamente ao ver escrito em letras douradas, em sentido transversal à capa, aquele "Percy Jackson e os Olimpianos – Livro Um". Nada errado com Percy Jackson nem com os Olimpianos, e sim com o "livro um"... Outra série?? Porra, se antigamente (e mesmo nem tão antigamente assim) os escritores conseguiam contar boas histórias num único volume, por que raio (ops...) os autores de hoje parecem absolutamente incapazes disso? Agora tudo é, no mínimo, "trilogia"... E, na maioria das vezes, a história não é tão grandiosa que justifique passar do primeiro volume. Na verdade, para não poucas delas, um volume já é demais.

Mas vamos falar de Percy Jackson.

O herói adolescente (Não diga! Sério??) de mais esta série de fantasia tem 12 anos e é um garoto problemático, que sofre de dislexia e distúrbio de déficit de atenção, além de uma acentuada tendência a atrair eventos bizarros e inesperados, que teimam em acontecer nos locais onde ele está. Por conta disso, já foi expulso de cinco escolas – a média é uma por ano. No momento, prestes a concluir a sexta série, Percy está por um fio de ser expulso de mais uma escola, onde, apesar de continuar enfrentando todos os problemas de sempre, fez ao menos um amigo, Grover, além de ter um professor de quem gosta, o cadeirante Sr. Brunner, que ensina latim e cultura clássica (é o cara que eu queria ser quando crescesse...). O drama de Percy é que, por mais que ele tente andar na linha e ser um garoto "comum", as tais coisas estranhas continuam acontecendo independentemente de sua vontade. E quando ele descobrir por quê... Bem, toda a sua vida vai sofrer uma reviravolta.

OK, sei que até aqui não parece haver novidade, está tudo soando meio Harry Potter, não é? O garoto que sempre se sentiu diferente dos outros um dia descobre que é muito mais diferente do que pensava, e tal revelação será seu passaporte para uma vida cheia de aventuras inimagináveis... Mas sosseguem, que a proposta de Riordan não envolve nenhuma escola de magia, nem tampouco um grande bruxo do mal que quer ter de qualquer maneira a cabeça empalhada do jovem herói na parede de sua sala de visitas. Em vez disso, ele levanta a pergunta que está na orelha do livro: "E se os deuses do Olimpo estivessem vivos em pleno século XXI? E se eles ainda se apaixonassem por mortais e tivessem filhos que pudessem se tornar heróis?" Seria o desajustado Percy um semideus como Hércules ou Perseu??

Essas são as linhas gerais do universo da série, onde personagens e criaturas da mitologia clássica aparecem misturados com exemplares típicos da fauna humana das grandes cidades norte-americanas, e a interação de uns com os outros, além de bizarra, é por vezes muito engraçada. É deliciosamente absurdo (em especial para quem já tem um bom conhecimento do universo da mitologia e história gregas, como, modéstia à parte, é o caso deste que escreve estas mal digitadas linhas) ver os elementos daquele universo fascinante se misturarem com as coisas prosaicas do dia-a-dia moderno. Por exemplo, na mitologia, o deus Hermes usava sandálias aladas; neste livro, seus filhos nos dias de hoje usam tênis Nike ou Reebok alados! Sem falar na coisa exótica (para dizer o mínimo) que é ler uma narrativa em que moleques americanos praguejam em grego arcaico.

Creio também que muitos leitores adolescentes irão se identificar com a sensação de inadequação que Percy experimenta, pois parece não pertencer realmente a lugar algum. Quando descobre sua verdadeira natureza, ele é levado para uma espécie de "acampamento de verão" nos arredores de Nova York, onde dezenas de outros jovens semideuses já estão sendo educados e treinados. Lá, tem o privilégio de tomar aulas com o centauro Quíron, famoso mestre de heróis desde os tempos clássicos: na lista de seus ex-alunos figuram nomes como Hércules, Aquiles e outros menos votados. É Quíron quem explica a Percy o significado do fato de os deuses gregos continuarem vivos e atuantes: segundo o velho centauro, eles fazem parte da própria essência e espírito do que conhecemos como civilização ocidental, e existirão enquanto ela existir. São chamados de deuses "gregos" porque foi na Grécia que nossa civilização nasceu, mas habitaram sempre "onde quer que a chama da civilização ardesse mais forte": depois da Grécia, transferiram-se para Roma, e em seguida, durante períodos mais curtos, sempre para o país que mais fortemente representasse, naquele momento histórico, essa mesma civilização ocidental: Espanha, França, Inglaterra... Segundo essa lógica, eles hoje vivem nos Estados Unidos. Bem, o que vocês esperavam? O livro foi escrito por um norte-americano. Política e economicamente, temos que concordar que os Estados Unidos são onde "a chama arde mais forte", agora, culturalmente, isso é no mínimo discutível... Mas passei por cima desse pomo da discórdia (epa) por amor a uma boa história, e estou certo de que vocês podem fazer o mesmo.

E a história propriamente dita (passada a parte de apresentar o herói e esboçar o enredo) começa quando Percy é informado de que o raio-mestre de Zeus, a mais poderosa arma já forjada, foi roubado, e de que o rei dos deuses tem um suspeito – o deus que vem a ser o provável pai de Percy, e que não vou revelar aqui quem é. Zeus exige a devolução do raio até o solstício do verão, e o deus acusado exige um pedido de desculpas até a mesma data. Caso contrário, haverá uma guerra entre os deuses, com consequências desastrosas para o mundo dos mortais. Percy, então, recebe uma missão: ir em busca do verdadeiro ladrão do raio e recuperá-lo antes que o prazo expire. Para isso, terá que atravessar os Estados Unidos – mas não os Estados Unidos que os mortais conhecem, e sim uma versão do país por onde se locomove todo tipo de criatura mítica, algumas das quais poderão ajudá-lo, enquanto outras o matariam com o maior prazer. A explicação que Quíron (perdão: Riordan) dá para o fato de os simples mortais não verem essas criaturas ou qualquer indício de suas atividades é muito interessante:

A Névoa é algo poderoso, Percy. (...) Leia a Ilíada. Está cheia de referências a isso. Sempre que elementos divinos ou monstruosos se misturam com o mundo mortal, eles geram a Névoa, que tolda a visão dos seres humanos. Você verá as coisas exatamente como são, sendo um meio-sangue, mas os seres humanos interpretarão tudo de modo muito diferente. É realmente incrível até que ponto os seres humanos podem ir para adaptar as situações à sua concepção de realidade.

Sim, eu li a Ilíada, e sim, isso está lá! :) Sem falar que conheço muita gente a quem a última frase se aplica com perfeição, sem a necessidade de haver Névoa alguma.

Eu até gostaria de fazer um pouco de pose de grande literato e dizer meramente que achei o livro "agradável, recomendável para um pouco de relax mental" – mas, como sou a favor de reduzir a hipocrisia ao mínimo inevitável, vou dizer a verdade: me irritei com cada coisa que me obrigou a largar este livro antes de terminá-lo, e mal posso esperar pelo segundo volume. Que deve aparecer em breve: conforme me disse o rapaz da livraria, um filme sobre as aventuras de Percy Jackson já está em produção e deve estrear em 2010, o que, somado ao fato de a edição original ter sido publicada nos Estados Unidos em 2005, é sinal de que os livros poderiam ter saído no Brasil bem antes, e estão saindo agora para ir no embalo do filme... Bem, espero ter tempo de ler a série toda antes que os filmes apareçam.

3 comentários:

Anônimo disse...

Bom... eu tenho um marcador de páginas que faz propaganda já do terceiro livro.

A história parece interessante! Pelo menos criativa.

Bom, como ainda não conheço nada sobre essa série, vou perguntar sobre um outro livro de literatura fantástica:

Já leu Crespúsculo e sua série? Adoraria ler uma crítica sua sobre esses livros da Meyer. Tenho comigo que ia me sentir muito bem ao ver você concordar comigo com relação a esse livro. E sim, eu sei que você concorda! hahah

Renata disse...

Você já leu minha resenha sobre esse livro, e já comentei o que queria no seu post sobre o filme Fúria de Titãs. Portanto, me limito ao seguinte.
Sem falar que conheço muita gente a quem a última frase se aplica com perfeição, sem a necessidade de haver Névoa alguma. [2]

Genial! hahaha
beijos e parabéns pelo blog!

Unknown disse...

(...)além de ter um professor de quem gosta, o cadeirante Sr. Brunner, que ensina latim e cultura clássica (é o cara que eu gostaria de ser quando crescer...).(...)
Bah, Tio, tu queria ser um... cen... digo, professor de latim quando crescer... tu ainda não havia me falado essa. hehe. Muito legal a tua crítica, concordo contigo e recomendo também.

Abraço
Rafa